Terapia à Distância por Skype
- Glaucia Paiva -
Publicado na revista Alemã Praxis der Systemaufstellung, 2016.
Nesse artigo vou descrever os meus atendimentos por Skype. O uso do Skype para não interromper processos ou em situações de emergência em que o cliente precisa de suporte. Como manter a ressonância com o cliente. E as diferentes técnicas que eu uso durante as sessões, como colocações com objetos disponíveis em cima da mesa, com objetos no espaço, na imaginação e o recurso da cadeira.
Eu comecei a fazer atendimentos à distancia pelo telefone, em 2003. Uma das minhas clientes casou e mudou para os Estados Unidos. Ela me procurou de lá, pois começou a ter problemas de adaptação na nova vida. Depois da nossa primeira conversa, eu pedi para ela buscar um terapeuta na cidade. Ela foi em três pessoas, não conseguiu se adaptar e pediu que eu a atendesse pelo telefone. Eu aceitei o desafio. Foi a primeira vez que assumi uma cliente, com horário marcado na agenda, pelo telefone. Na época, com um cartão telefônico de 5 dólares, nós conversávamos durante uma hora. Ela me ligava uma vez por semana e a gente fazia as sessões à distância.
A partir dessa experiência, em algumas situações especiais eu passei a atender clientes que estavam fora da cidade e a fazer algumas entrevistas com novos clientes, pelo telefone. Com isso, eu tive o treino de manter a minha percepção do que estava se passando com o cliente, quando surgiu o Skype ficou mais fácil, pois eu podia ver as expressões, os olhares, as emoções no rosto da pessoa, conferir visualmente o que eu estava sentindo e assim, reagir de forma mais precisa e eficiente, e ganhando mais confiança no processo.
Hoje, trinta por cento dos meus clientes eu atendo por Skype, em várias partes do Brasil e do mundo. Inclusive em São Paulo, onde é o meu consultório.
Para mim, o que garante o sucesso da terapia à distância, seja por telefone ou Skype, é a habilidade de entrar em ressonância com o campo do cliente pela percepção das suas emoções, sensações e intenções, sem ele precisar estar fisicamente presente. Quando a ressonância é estabelecida, não existe mais a distância. A ressonância com as sensações do cliente acontece desde os primeiros minutos da primeira conversa. O processo de construção de confiança se dá a cada consulta, como no consultório.
Poder atender remotamente tornou o processo terapêutico mais dinâmico, pois posso acompanhar os movimentos naturais da vida dos clientes. Isso aumenta os meus recursos como terapeuta, os recursos do cliente e os resultados da terapia.
Quando o cliente é capaz de perceber que eu estou presente e disponível, a distância não importa, o campo se abre.
Colocação com objetos no espaço
Uma das minhas clientes, durante um processo intenso, teve que viajar as pressas, pois a mãe teve um problema de saúde. Depois de socorrer a mãe, ela teve uma crise de pânico. Ela me ligou pedindo suporte e eu fiz o atendimento por Skype.
Eu queria que ela me visse para que o nosso vínculo ficasse maior e ela pudesse acreditar no que nós estávamos fazendo, mesmo à distância. Quando nós nos vimos pelo computador, ela teve uma crise de choro e logo conseguiu me olhar e começar a contar o que tinha acontecido. Ela confiou no nosso canal. Eu fui pedindo para ela entrar em contato com os conteúdos daquela situação. Nós trabalhamos durante uma hora e meia pelo Skype.
Durante o processo, foi possível fazer exercícios de presença, ela foi resgatando o contato com o corpo, a condição de sair do transe que ela estava e voltar a racionalizar. Eu fui aos poucos pedindo para ela colocar algumas pessoas do seu sistema de origem no ambiente, para dar a sensação de suporte. Ela foi pegando objetos que estavam na mesa, próximo ao computador. Objetos como abatjour, caneta, copo, enfeites, vaso de planta, colares, qualquer objeto disponível que estivesse ao redor. Ela foi construindo o campo diante dela, na mesa, usando os objetos como representantes. Conforme nós fomos constelando, ela foi se descongelando e resgatando a presença. Isso durou cerca de 25 minutos.
O passo seguinte foi elaborar melhor o que tinha acontecido e, com ela mais calma, surgiu uma nova sensação que ela conseguiu identificar como uma repetição de destino. Imediatamente ela começou a colocar no quarto onde ela estava, o seu sistema materno. A mãe, a avó e a bisavó. Ela olhava para os recursos em cima da mesa, que davam força e coragem para ela poder olhar para a repetição que ela estava vivendo e ao mesmo tempo vendo projetada na colocação que estávamos fazendo no quarto dela. Ela pegou uma almofada para representar a mãe, um cobertor para representar a avó e colocou atrás da mãe e colocou uma cadeira para representar a bisavó, atrás do cobertor e da almofada. Dessa forma, olhando de frente para a estrutura, com o rosto de lado para a tela, ela conseguia manter a conexão comigo e eu com ela.
Eu fui conduzindo a estrutura e ela foi colocando os objetos disponíveis para os representantes do sistema e a cada colocação ela voltava para frente da tela e eu ia perguntando. O que acontece quando essa pessoa entra no campo? E o que você sente? Ela sempre olhando de frente para a estrutura e para mim na diagonal.
Em um determinado ponto da colocação, ela se abaixou e começou a chorar profundamente, eu fui pedindo a ela que mantivesse o movimento, mas que fosse ao mesmo tempo me comunicando o que estava acontecendo, para que ela tivesse a liberdade de se movimentar sem ter que ficar presa à tela. Isso durou cerca de 5 minutos. Conforme eu fui pedindo a ela para colocar elementos na estrutura, na sua imaginação pois ela estava deitada chorando, ela foi resgatando a força e voltou a ficar sentada.
No momento final ela teve vontade de tocar em duas pessoas do sistema. Ela se levantou e foi até elas. Nossa comunicação se manteve pela fala, ela foi me contando, onde ela estava e o que estava acontecendo. Ela voltou aos poucos, sentou, continuou olhando para eles, eu pedi para ela fazer uma reverência a todo aquele evento e rapidamente ela se virou para a tela e nós nos olhamos novamente. Durante toda a colocação eu pude observar as expressões dela, as reações e as falas. Ela olhava para o quarto onde estava acontecendo a estrutura, mas sabia que eu estava ali. Esse foi o nosso vínculo de confiança, eu estava presente em ressonância com o campo, através da tela, sentindo perfeitamente o que estava acontecendo ali. No final ela estava cansada, mas aliviada, me olhando com um sorriso.
Colocação na mesa da cozinha
Em outra ocasião, uma cliente estava sentada na mesa da cozinha falando comigo por um tablet. Ela começou a pegar os objetos da cozinha, copos, facas, talheres, pires, guardanapo. Conforme a gente foi entrando no assunto, eu fui pedindo para ela pegar os utensílios da mesa e montar a colocação diante do tablet. Essa cliente tinha dado à luz há dois meses e estava se sentindo muito deprimida. Não podia sair de casa, pois não conseguia ficar longe do filho e ao mesmo tempo não conseguia se sentir conectada a ele. Eu pedi para ela dar um lugar para o sentimento de desconexão com o filho, através de um dos objetos, e pedi para me contar o que acontecia quando olhava para aquele sentimento representado por uma xícara. Conforme olhou para a xícara, ela foi se dando conta que a desconexão começou por causa da cesariana, pois antes do parto estava muito conectada ao filho e depois do parto não conseguia sentir conexão com o bebê. Isso já começou a acalmar seu coração, por perceber que a cesariana a congelou e o sentimento de desconexão desencadeou a depressão. Ela continuou olhando para a xícara e a sensação de desconexão foi diminuindo. O sentimento de desconexão representado pela xícara se transformou na cesariana.
Eu pedi para colocar um novo objeto para representar o filho. Ela escolheu uma colher e conseguiu se sentir conectada. Isso provocou um grande alívio.
Na semana seguinte, a depressão tinha diminuído, já conseguia se sintonizar com o filho, mas continuava sem forças. Nós trabalhamos com exercícios de presença, com experiência somática [ES] e depois disso nós montamos mais uma vez a colocação na mesa da cozinha. Eu pedi novamente para ela colocar a xícara que representava a desconexão. A imagem da cesariana voltou, com menos intensidade e ela recuperou uma sensação que teve antes da anestesia, um medo profundo do filho morrer. Eu pedi para dar um lugar para esse medo, na frente dela, usando um outro objeto. Ela colocou um pires atrás da xícara. Com isso a estrutura foi se abrindo. Ela pegou vários palitos de dente e foi colocando um ao lado do outro atrás do pires e entrou num estado de desespero. Esses palitos representavam vários mortos. Eu pedi para colocar vários copos atrás desses palitos, dando suporte e acolhendo esses mortos. Nós trabalhamos a inclusão deles. De repente ela pegou outro objeto para representar o filho e colocou perto dela. Assim ela conseguiu diferenciar a energia dos mortos do sistema, da energia do filho que estava nascendo. Com isso passou a cuidar do filho com alegria.
Uma paciente veio ao consultório com um problema físico serio. Ela já tinha uma cirurgia marcada. Nós conseguimos fazer dez sessões antes da data da cirurgia. Com isso, conseguiu se preparar para enfrentar esse momento. Durante a cirurgia ela teve algumas complicações, e não estava conseguindo se recuperar fisicamente. Teve infecções, baixou a resistência, teve problemas de pulmão. Depois de dez dias sem melhoras, o marido me procurou e pediu um suporte, pois ele percebia que o psicológico dela estava muito abalado. Nós marcamos uma sessão por Skype e começamos a trabalhar. Nos três primeiros encontros, nós fizemos experiência somática [SE], isso nos deu condição de poder trabalhar o medo profundo da morte. No quarto encontro, ela estava em condições e decidida a constelar o medo profundo de morrer. Na cama do hospital, em seu tablet, nós começamos uma colocação por imaginação. No pé da cama, ela colocou o pai e mãe que já haviam falecido. Eu pedi para acrescentar os avós. Foi quando ela se deu conta que o avô materno tinha tido a mesma doença que ela tinha no momento. Nós já havíamos falado sobre isso nas sessões anteriores à cirurgia, mas ela não quis olhar em profundidade para esse aspecto e eu a respeitei. Nesse momento ela olhava para o avô que estava ao pé da cama, abaixava os olhos e olhava pra mim pelo tablet que estava em sua mão. Ela fez esse movimento umas três ou quatro vezes. Olhava para o avô e olhava para mim. Ela se conectou comigo e disse, eu estou pronta. Eu pedi para ela continuar olhando para o avô e colocar ao lado dele uma âncora que representasse a doença dele, e fui perguntando como era olhar para ele e para a doença. Ela disse que quando olhava para o avô, sentia um profundo carinho e quando olhava para a âncora, sentia uma dor profunda exatamente no lugar onde foi feita a cirurgia. Atrás da doença dele, eu pedi para colocar uma outra âncora que representasse a justa razão da doença dele. Ela começou a chorar e foi me descrevendo o que estava acontecendo. O avô se virou para o representante da doença dele e depois se virou para a justa razão desta doença. Nesse momento ela me contou que era como se tivesse separado o avô da doença e conseguia sentir uma boa conexão com ele. Não mais com a doença que ele carregou. Eu pedi para colocar atrás da justa razão algumas pessoas do sistema dele que fossem capaz de dar suporte à justa razão, à doença e a ele. Neste momento ele se virou de frente para ela e abriu um sorriso. Assim ela conseguiu diferenciar o avô e a doença. Ao final se sentiu aliviada. A partir desse momento, o médico conseguiu acertar o remédio, o corpo dela passou a reagir e ela conseguiu se recuperar.
Um exercício usando uma cadeira
Um paciente me procurou pois gostaria de ter um relacionamento e construir uma família, mas tinha muita dificuldade com a intimidade.
O meu maior desafio foi conseguir trabalhar uma dinâmica de amor interrompido por Skype. Com esse paciente, eu usei uma cadeira para representar o pai dele. Inicialmente ele colocou a cadeira bem longe. Eu fui pedindo para ele me descrever o que acontecia quando o pai estava sentado ali. Ele tinha várias reações no corpo. Eu pedi para ele sentir os pés bem firme no chão e me descrever as reações. Eu usei algumas frases de solução em relação ao pai, que foram diminuindo a tensão entre os dois. Eu perguntei se poderíamos aproximar um pouco mais a cadeira. Ele disse que sim, que era possível. Eu perguntei o quanto mais próximo a cadeira estava. Ele conseguiu aproximar um metro. Eu comecei novamente o processo. Quando o seu pai está ali, o que acontece com você. Novamente vieram reações, tensões, e nós trabalhamos da mesma forma, com as frases de solução. Quando eu pedi para aproximar um pouco mais a cadeira, ele me olhou e me falou, falta alguma coisa. Eu pedi para colocar o que estava faltando. Ele imaginou o avô paterno atrás do pai que estava representado pela cadeira. Quando ele colocou o avô, o pai se enrijeceu e ele enxergou na reação do pai diante do avô a mesma reação que ele tinha diante do pai. Nesse momento, percebeu que o pai agia com ele, da mesma forma que o avô agia com o filho. Ele teve um profundo entendimento e sentiu compaixão pelo pai. Eu pedi para colocar o bisavô atrás do avô. A dinâmica se repetiu. A frase que ele usou foi, os homens da minha família se relacionam de forma distante, mas agora eu consigo vê-los e entender esse padrão de comportamento. Depois dessa frase eu perguntei se era possível colocar a cadeira mais perto. Ele disse que sim, mas apenas um pouco, pois na distância todos se entendiam. E daquela forma estava bom. Meses depois, nós conseguimos fazer mais um movimento a respeito dessa distância. Hoje ele se sente mais em paz com esse assunto e já consegue manter um relacionamento.
Aproveitando as oportunidades de crescimento
Eu já atendi um atleta e durante competições importantes fazíamos um esforço para manter os nossos encontros mesmo durante as viagens. Nós podíamos acompanhar as suas reações emocionais. Nos momentos em que ele é muito exigido e está perto de atingir uma meta, as dinâmicas são ativadas. Se deixarmos para trabalhar essas questões depois que a competição passar podemos desperdiçar a oportunidade dele de ter sucesso. É também valioso usar a situação no momento em que está acontecendo para transformar a relação com o sistema de origem.
É comum, durante o processo terapêutico, haverem mudanças e novos movimentos em consequência da própria terapia. Isso não significa que o processo está concluído, muito pelo contrário, uma nova camada de desafios surgirão e é importante para o cliente poder contar com o suporte durante a próxima fase. É também útil para o terapeuta, pois ganhamos a liberdade de continuar seguindo o impulso de colaborar nos processos terapêuticos além do ambiente do consultório. Alguns anos atrás isto seria impensável. A tecnologia de hoje é a possibilidade da minha missão como terapeuta se expandir para muito além do espaço físico numa dimensão em que o que grande valor são os vínculos pessoais duradouros.
SOBRE A AUTORA
GLAUCIA PAIVA
Terapeuta desde 1992. Desenvolveu o método NEXO | Renascer Sistêmico nos últimos 10 anos, atendendo individualmente e desde 2021 ensinando esta Especialização, formando Terapeutas Somáticos Transgeracionais.