O Recurso da Justa Razão Sistêmica
- Glaucia Paiva -
Publicado na edição de 2015 da Revista da Editora Instituto Conexão Sistêmica.
RECURSOS
A palavra “recurso” sugere força, ajuda e suporte. Algo que está disponível, através do qual se viabiliza o fluxo; algo com que se pode contar nos momentos de fragilidade; um caminho para o que falta; um instrumento.
Um recurso é uma força que me ajuda a sair do lugar, a sentir, a pensar e a agir diferente.
Essas forças que vem dos nossos sistemas familiares e de nossas imagens internas e externas estão disponíveis e precisamos ativá-las. Tanto externa como internamente essas forças estão disponíveis e precisamos ativá-las.
Quando falamos em recurso sistêmico (que vem do sistema familiar) não precisamos de nomes, às vezes você conhece e às vezes desconhece, os recursos não estão limitados às pessoas com quem você conviveu e sim com as memórias que você carrega. Nós somos a essência do nosso sistema e, portanto, temos as memórias de todos os nossos ancestrais em nosso campo e não precisamos saber quem são, mas precisamos sentir e nos conectar com esses antepassados, que podem ser os pais, os avós, os bisavós ou pessoas de muitas gerações passadas, alguém que tenha a força necessária para gerar movimento ou transformação.
Em algumas situações, durante uma Estrutura de Diferenciação, a colocação de um recurso é fundamental para que o cliente tenha um espaço em que se sinta seguro e assim aconteça o movimento necessário para a liberação do fluxo. A sensação positiva de um recurso traz uma força, um centro, um “quente”. Eu perguntei a uma cliente “O que aconteceu quando sua bisavó chegou atrás de você?” e ela respondeu “Ficou quente”. O recurso trouxe a sensação de pertencimento.
Quando fica “quente”, o coração amolece e se abre, e isso permite que uma estrutura psicológica traumática, rígida ou de amor interrompido tenha permissão para se flexibilizar e ter um fluxo e uma estrutura diferente do sistema familiar de origem, e somente nesse momento ela conquista mais um pouco da sua “presença”.
Assim, o recurso permite o impulso natural, essencial, que está preso e bloqueado. Quando isso acontece, a pessoa sai do transe do trauma sistêmico ou biográfico e consegue ir para um novo lugar e enxergar aquela situação de forma diferente.
Não somos só trauma, e a vida tem muita força. O trauma muitas vezes é somente um curto momento em uma vida longa.
A Somatic Experiencing (SE®) também trabalha com a ideia do recurso. Peter Levine, autor dessa técnica, trabalha com os traumas biográficos, os fatos traumáticos que aconteceram na vida da pessoa. A ideia do recurso interno é que você traga uma referência e uma percepção diferente da sensação do trauma e, quando isso acontece, a mente modifica o caminho conhecido, criando uma nova avenida, um novo caminho, um novo neurônio que traz uma nova informação: é possível ser diferente.
Os recursos internos são imagens, lugares, pessoas e situações que trazem uma sensação de conforto. Esse conforto faz com que você saia da sua estrutura rígida, responsável por várias sensações e emoções negativas. Ele interfere no seu sistema nervoso, trazendo relaxamento e tirando você do estado de alerta. A essa sensação de conforto dá-se o nome de “lugar seguro”. Ele traz segurança e força para que você consiga sair do transe do trauma, aumentando a presença, o aterramento e o centramento, mudando sua condição de estar na vida.
A proposta é que você consiga sair do transe do trauma e olhe para ele de outro lugar. Entretanto, para que isso se dê, o recurso tem de ser ativado.
“O objetivo do recurso é você estar presente com você mesmo.”
O RECURSO DA JUSTA RAZÃO
O objetivo desse recurso é dar um lugar para o motivo ou para a justa razão, que é a causa sistêmica da dificuldade da pessoa, ligada ao seu sistema de origem.
A justa razão pela qual uma pessoa reage de determinada maneira está ligada a um vínculo de lealdade a um antepassado ou um evento sistêmico significativo, que deixou resíduo negativo. Por resíduo negativo queremos dizer emoções negativas, injustiças, desequilíbrios e exclusões.
Estando conectada a esse resíduo, isso tem influência na estrutura, no fluxo e na presença da pessoa, gerando um jeito de pensar, sentir e agir que normalmente dificulta o equilíbrio nas relações e o fluxo do sucesso.
A pessoa que está vinculada a esse resíduo reage similarmente a esses antepassados ou de forma a compensar os traumas deixados por esse evento. Portanto, ela não tem liberdade de ser ela mesma.
“A justa razão ou é um evento significativo do sistema ou é alguém do sistema
ao qual estamos vinculados, gerando um padrão de comportamento.”
APLICAÇÕES PRÁTICAS
1 ‒ EM RELAÇÃO AO OUTRO
Esse recurso pode ajudar quando estou diante de alguém com quem sinto dificuldade em me relacionar: bisavós, avós, pai, mãe, tios, marido, esposa, filhos, sócios, chefes, parceiros profissionais, amigos etc.
Quando você está se relacionando com uma pessoa e entre vocês existe um conflito que causa sensação de desconforto, normalmente você começa a fazer julgamentos a respeito do padrão de comportamento dela ou começa a se perguntar por que isso está acontecendo comigo, entre nós.
Quando começa a “julgar” e “analisar” esse padrão, você se torna a “certa” e ela a “errada”, e nesse momento você fica maior que ela, vinculando-se ainda mais a essa dinâmica através do ponto de vista da igualdade.
Então se inicia um jogo com essa pessoa, que consiste em eu jogo, ela devolve, eu jogo, ela devolve, e assim aumenta quase que diariamente esse conflito, essa dificuldade.
Se levarmos em consideração que o padrão de comportamento dessa pessoa faz parte de um movimento sistêmico, e que existe uma “justa razão” pela qual ela é influenciada ou dominada, ganhamos a possibilidade de “INCLUIR” essa força na relação.
Quando acontece a inclusão da justa razão você tem a visão sistêmica do padrão de comportamento dela, e assim você sente (corporalmente) que ela é dominada por essa força e que a atitude dela com você “não é pessoal”, você é apenas uma possibilidade de ela viver novamente algo que precisa ser resolvido, precisa ser completado.
“Então eu saio do pessoal, isso não é comigo, ela reage assim diante da vida.”
Quando acontece a inclusão, mudo o olhar mudando o lugar, e dessa forma consigo me distanciar dessa dificuldade e tenho uma atitude que às vezes neutraliza o conflito, outras vezes amolece o coração, fazendo a conexão de um jeito diferente e ganhando a possibilidade de estar diante dela com menos desconforto e mais presença. Em algumas situações, quando entendo a dinâmica, consigo ir embora me desvinculando dessa pessoa, já que muitas vezes ficamos presos ao jogo de quem é o certo ou o errado e permanecemos na tentativa de nos tornamos certos.
Quando não é possível a inclusão dessa força temos dificuldade de aceitar as atitudes e, dessa forma, corremos o risco de querer que essa pessoa seja diferente ou que reaja diferente. Então começamos a mostrar o que seria o certo ou o melhor para essa pessoa, e nesse momento estamos discutindo com a justa razão e não com ela. Então você é a certa e ela é a errada, você olha para ela de cima, e você de fato está enfrentando a justa razão e não se relacionando com ela, havendo pouca possibilidade de sucesso nessa relação.
2 ‒ EM RELAÇÃO A VOCÊ MESMO
Quando me pergunto qual a justa razão, no meu sistema, de ter esse padrão de comportamento que me enfraquece ou me mantém sem fluxo, abro a possibilidade de acessar ou me conectar com a identificação ou o emaranhamento com os quais estou sendo leal. Quando isso vem para a consciência, a cura se inicia.
EXERCÍCIO
- Posicionar um representante para a pessoa que você está em conflito à sua frente.
- Observar o que isso gera no corpo.
- Depois de alguns minutos, colocar atrás do representante a justa razão pela qual ela reage dessa forma.
- Perceber se algo muda.
- Nesse momento, você olha para a justa razão através do representante da pessoa e usa as frases:
- Eu vejo você.
- Eu digo sim para você.
- Você faz parte do sistema dela.
- Agora eu entendo.
- Observar no corpo o que acontece quando você inclui no sistema a justa razão dela e reconhece essa força.
- É indicado que, toda vez que você se encontrar com essa pessoa, coloque a justa razão atrás dela.
SOBRE A AUTORA
GLAUCIA PAIVA
Terapeuta desde 1992. Desenvolveu o método NEXO | Renascer Sistêmico nos últimos 10 anos, atendendo individualmente e desde 2021 ensinando esta Especialização, formando Terapeutas Somáticos Transgeracionais.